31/10/2010


Cheguei a uma conclusão tão depredada de brilho que não mereceria vida, caso este blog não se chamasse A Arte de Divagar e eu não estivesse indeciso.

Já não nos podemos dar ao luxo de sermos simples. Simples como São Bento, Siddhartha Gautama ou Laozi. Já não há espaço para mirar montanhas e deixar os olhos cirandar pelas estrelas, enquanto nos deixamos esmagar pela hipótese do divino. Agora, há sempre barulho. Um estímulo, um flash, um clique, um link, um livro novo, uma ideia nova, um gadget estranho, uma pessoa que nos fascina e nos remata a alma. O luxo do silêncio foi-nos retirado; mesmo que nos tornemos frades, arriscamos festivais de cinema. A simplicidade é glosada como bem de burgueses e donas-de-casa enfadadas. É impossível defender a causa sem arriscar uma metralhadora de argumentos lógico-dedutivos que inferem destinos implacáveis para a simplicidade e seus quesitos fundamentais. Gozações intermináveis e tudo. Não posso ser simples, é preciso ser ligeiramente pedante e snob, ou perco a piada e a admiração e o status. QED.

E isto é uma perda lastimável, julgo. Os sabores fugidios são sempre amargosos, se tentamos fixá-los. Quero calar-me e não posso, é preciso fúria. Quero enredar-me numa história de donzelas e não posso, é preciso realidade. Queremos regressar ao mundo gentil de pastos e vaquinhas, mas não podemos; alguém provido de óculos massificados intenta uma explicação económica para o desencanto e desiste, tal a indiferença, tal o ribombo dos ritmos de Detroit e Chicago que as colunas insistem em tonitruar, encaminhando-nos para um novelo de onde jamais fugiremos.

É um luxo, ainda que a desprezemos e desejemos transfusões de fausto e opulência.

30/10/2010

We aren't perfect. That's why pencils have erasers.



A sala de espera do Hospital de Dia do Centro Hospitalar de Lisboa, EPE, Capuchos (o nome é tão estrondosamente longo, pomposo e empresarial que um incauto se arrisca a decepá-lo) é um local cavernoso. Encerra o pânico nas suas paredes sem eco. Forrada a linóleo, parece um poço sem fundo para quem aguarda; os olhares expectantes e as vidas esvaziadas que percorrem, de arrasto, aquele piso, destroem qualquer sensatez ou tirada mágica do livro de citações mais optimista.

Não sabia o que era pânico. Agora, sei-o. Mas também reconheço o seu carácter transitório. Que hiperventilamos, um alvéolo seguindo o outro, e a luz ao fundo do túnel, tremeluzente. Quando é um inimigo silencioso, o pânico arde; belisca a alma até nos remexermos na cadeira, tentando não dar conta da implosão aos olhos ausentes. E sublimamo-lo, com um suspiro, os pingos de suor na testa, o alívio e o presente, como uma bigorna, de novo a pender, lá do alto, como um cartoon Looney Tunes, que não poderá acabar bem.

Os caminhos longos e dolorosos têm o condão de nos tornarem densos. Aprimoramos os sentidos. E percebemos que o tempo não é escasso, ao passo que o afecto é. Congratulo-me por ter percebido isto a tempo; procuro explicá-lo, mas, de momento, não consigo, não a quem importa, para sarar uma ferida aberta que precisamos de estancar, de modo a que as memórias fugidias não nos fintem e se desvaneçam, como gostam.

Mas esse dia chegará, talvez. Que a perfeição nos há-de atingir no rabo, nesta era obcecada com a perfectibilidade. E, debaixo dos escombros, rir-nos-emos de escárnio e esperança - estaremos juntos nessa batalha e teremos percebido que as dimensões importantes são tão tangíveis como um raio de sol na cara, ao fim de uma tarde surda e outonal, depois de termos trocado um olhar cúmplice com uma desconhecida. Oxímoro? Talvez. Ou, proponho-te, a evidência de que há algo além do sucedâneo de amor com que nos conformámos, apegados que estamos às contas da vida.

Recupero a força de divagar. E espero que tu me possas perdoar. Que já te perdoei, há longo e ressequido tempo.

28/10/2010

Puxo para mim esta cadeira, está na altura de te ouvir.

Nós queremos ser de aço, ferro inoxidável que embate contra o tempo e esfarela a sua arrogância. Mas fico-me pelos costados da noite a pensar que levei, já, tanto tombo e tanto pontapé, que pouca coisa me deixaria ajoelhado de dor.
Estamos sempre a aprender, tentando abraçar uma ausência e imaginando-a, refreando a mágoa da sua realização final.

Depois, percebo que é uma ficção. E que toneladas de livros e palavras têm o condão solitário de me deixar pior preparado.

É preciso ser valente, para se perder alguém sem perdermos algo nosso no caminho. Não sou valente, e, por isso, deixo pistas no caminho, alvitrando um regresso, reconstruir uma vida e mitigar a dor. Mentiras diáfanas, têmo-las todos. E caminhhamos sós, às vezes menos, mas regularmente sós. E a tristeza não amaina nunca.



Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora-a-hora e durante a vida inteira

Podes ter uma luta que é só tua
Ou então ir e vir com as marés
Se perderes a direcção da lua
Olha a sombra que tens colada aos pés

Estou cansado. aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho pra escrever
Tens que ser tu, com o teu próprio punho
Era isso o que te queria dizer

Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade
Vou-me embora que o coração não espera
À procura da mais velha metade.

24/10/2010

I am ready, I'll go with you



Vinil e Staple Singers. Para que o ânimo se resguarde, a noite é fria e não reconhecemos, no horizonte, o seu término.

22/10/2010

A one and a two...

Era uma vez um blog. Tinha a mania que era Zen. Mas não era. Era, tão-somente, uma sombra de águas tranquilas. Por isso, esqueci o Zen. Prefiro a arte de divagar e, seja bem vinda, voltou a vontade de escrever. Desta feita, em tom mais confessional, mais aberto, mais trálálá. O mundo não está de maré para bonomias, mas que se lixe. Porque as tristezas também devem ser tolhidas na palavra.

Aqui vai.