30/11/2010
Bilhete de Identidade
por Mahmoud Darwish
Escreve!
Sou árabe
e o meu bilhete de identidade é o número cinquenta mil.
Tenho oito filhos
E o nono chegará no fim do verão.
Terás raiva?
Escreve!
Sou árabe
Trabalho com os meus camaradas numa pedreira
Tenho oito filhos
Trago-lhes pão
e roupas e livros
a partir das rochas...
Não suplico caridade no teu alpendre,
nem me humilho à entrada do teu quarto.
Então, terás raiva?
Escreve!
Sou árabe
Tenho um nome sem título
Paciente num país
onde todos estão furiosos
As minhas raízes
estavam enterradas antes do nascer do tempo,
antes do início das eras,
antes dos pinheiros e das oliveiras,
e antes da relva crescer.
O meu pai descende da família do arado,
Não de uma classe privilegiada.
O meu avô era um agricultor,
Não era bem-criado ou bem-nascido!
Ensina-me o orgulho do sol
antes de me ensinar a ler
e a minha casa é como a cabana de um vigia
feita de ramos e canas
Estás contente com o meu estatuto?
Tenho um nome sem título!
Escreve!
Sou árabe.
Roubaste os pomares dos meus antepassados
e a terra onde cultivei
ao lado dos meus filhos.
Nada nos deixaste
A não ser as rochas...
E o Estado levá-las-á,
Como têm dito?
Portanto!
Escreve no topo da primeira página:
Não odeio os seres humanos
nem invado o seu espaço.
Porém, se tiver fome,
A carne dos usurpadores será o meu alimento.
Cuidado.
Cuidado
com a minha fome
e a minha fũria!
Ode to the Drum
por Yusef Komunyakaa
Gazelle, I killed you
for your skin's exquisite
touch, for how easy it is
to be nailed to a board
weathered raw as white
butcher paper. Last night
I heard my daughter praying
for the meat here at my feet.
You know it wasn't anger
that made me stop my heart
till the hammer fell. Weeks
ago, I broke you as a woman
once shattered me into a song
beneath her weight, before
you slouched into that
grassy hush. But now
I'm tightening lashes,
shaping hide as if around
a ribcage, stretched
like five bowstrings.
Ghosts cannot slip back
inside the body's drum.
You've been seasoned
by wind, dusk & sunlight.
Pressure can make everything
whole again, brass nails
tacked into the ebony wood
your face has been carved
five times. I have to drive
trouble from the valley.
Trouble in the hills.
Trouble on the river
too. There's no kola nut,
palm wine, fish, salt,
or calabash. Kadoom.
Kadoom. Kadoom. Ka-
doooom. Kadoom. Now
I have beaten a song back into you,
rise & walk away like a panther.
27/11/2010
História da esmeralda I
"Chega aqui. Quero contar-te uma história. Não tenho muito tempo, sinto os joelhos a liquefazerem-se. É importante que a ouças. Para mim, pelo menos". "Estou de partida. Despacha-te, velho, se é assim tão importante". "Serei, se mo permitires. A brevidade vem com a velhice: percebemos que o silêncio é o sono da palavra, e, neste mundo ensurdecedor, já falamos demais". "Pois. Que história, então?"
Era uma vez. Todas as histórias de encantar parecem iniciar-se por esta expressão, suponho. E esta não é uma história de encantar dotada de encantos invulgares, odores mágicos ou reinos esquecidos. É uma história de encantar, ou desencantar, se o teu coração quiser lê-la assim, tão vulgar e desbrilhosa como milhares de outras, desvanecidas. Mas sim, era uma vez.
A esmeralda calou-se. Sentiu que o seu verde, pelo primeiro momento em milénios, soçobrava. Algo estava errado.
Era uma vez. Todas as histórias de encantar parecem iniciar-se por esta expressão, suponho. E esta não é uma história de encantar dotada de encantos invulgares, odores mágicos ou reinos esquecidos. É uma história de encantar, ou desencantar, se o teu coração quiser lê-la assim, tão vulgar e desbrilhosa como milhares de outras, desvanecidas. Mas sim, era uma vez.
A esmeralda calou-se. Sentiu que o seu verde, pelo primeiro momento em milénios, soçobrava. Algo estava errado.
26/11/2010
Animar a malta
O que faz falta
Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta
Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta
Quando um cão te morde uma canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta
Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta
O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta
Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder à malta
O que faz falta
24/11/2010
Dos gorilas
Quero lá saber que a fotografia esteja mal formatada.
É um abuso. Uma vergonha. Um atentado contra tudo aquilo por que lutámos, lutamos e lutaremos. A minha Faculdade de sempre violada pelos gorilas-redux.
É um dia enegrecido. É dia de greve geral. E era bom que a greve se prolongasse por luas, saturnos e uranos.
Isto não pode continuar assim. Precisamos de voltar a sonhar.
FCSH Lisboa :: PSP entra na faculdade e identifica estudante
FCSH Lisboa :: PSP entra na faculdade e identifica estudante
A minha faculdade. A nossa faculdade. Invadida por gorilas mentecaptos, pretorianos a soldo da podridão. E a minha alma mater violada sem apelo nem agravo.
A minha faculdade. A nossa faculdade. Invadida por gorilas mentecaptos, pretorianos a soldo da podridão. E a minha alma mater violada sem apelo nem agravo.
23/11/2010
We will dance because we are the revolution.
É preciso dançar. É preciso respirar. A greve de hoje anuncia-o. A sociedade está viva e reagirá, a favor de uma vida nova. A favor de tudo o que nos dará um futuro. Já não somos contra nada.
Não somos contra a corrupção. Somos a favor da transparência.
Não somos contra a desigualdade. Somos a favor da igualdade.
Não somos contra a injustiça. Somos a favor da justiça.
Não somos contra o neoliberalismo. Somos a favor do controlo democrático da economia pelos cidadãos que a constituem.
Não somos contra a elite dominante. Somos a favor de um diálogo e de uma renovação sustentada.
Não somos contra o ódio. Somos a favor do amor.
Não somos contra o desemprego. Somos a favor do pleno emprego.
Não somos contra a guerra. Somos a favor da paz.
Não somos contra nada. Somos a favor do florescimento da humanidade.
Em suma, a minha geração já se cansou de ser contra tudo e contra todos. Hoje, somos a favor de algo. Somos a favor de um mundo novo. Não lutamos contra a infelicidade, mas a favor da felicidade.
Por isso, a minha maneira de protestar será sorrir. Será lançando gargalhadas implacáveis contra a classe política tecnocrática, ante a sua insignificância e demência crescentes. Não sei dançar, mas bambolearei o meu corpo. Não sei cantar, mas cantarei a plenos pulmões. Não sei desenhar, mas desenharei este mundo que é um sonho de todos os que não se deixam vergar aos indicadores, às produtividades, às eficiências, aos sistemas de controlo controlado e recontrolado. Nós ainda sonhamos. Nós ainda estamos por cá, ainda passamos as mãos pela relva recém-cortada, ainda dizemos "obrigado" quando nos sorriem de volta. E, por isso, sorrirei. Regozijar-me-ei, celebrarei a amizade, o amor, as ligações, a solidariedade, a cooperação, porque são elas que valem o esforço, o sangue, o suor, as lágrimas e as dores de cabeça.
Essa é a melhor forma de protestar. É a melhor forma de reduzir o neoliberalismo, o caciquismo, o aproveitamento ínvio do património público e as sevícias praticadas por moralistas à sua condição de rodapés da história.
Eu não sou contra o governo. Adiro à greve porque a sociedade deve mostrar que está viva. E mostraremos.
22/11/2010
Confiar
Hoje, voltei a compreender porque é que nós, enquanto seres vivos, humanos, primatas, precisamos de amigos. De pessoas que nos ultrapassem, não porque querem vencer a corrida, mas porque estacam em curvas difíceis para nos amparar, quando derrapamos. E, hoje, o z. e a a. deram-me uma lição de humanidade. Que também preciso delas, e muito, embora pouca gente se disponha a dar-mas.
Dizem-me que, neste espaço, se respira um ar inquinado de crueldade, de memórias distorcidas, que não deveriam ser partilhadas. E têm razão. Arrependo-me. Aprendi o valor do arrependimento, de voltar atrás e reconsiderar. É isto que nos torna mais fortes sem que nos tornemos cínicos.
Apesar de continuar a sentir a indiferença despudorada como uma punhalada - nem uma mensagem acerca da saúde de alguém próximo, nem uma demonstração de sensibilidade, que me seria, confesso, cara -, percebo que não posso continuar desta forma, embora tenha esse direito. Prescindo dele. Que a a., como de costume, é muito mais sensata que eu, e preciso da sua sensatez para enfrentar o mundo. E que o z., embora ninguém lho possa dizer, é muito melhor ser humano que eu, e preciso da sua humanidade para não me esvair em desmandos pedantes.
Sabendo que eles estão ali, na curva apertada, dispostos a amparar a minha derrapagem, apesar de tudo o que sofrem e passam, custa menos.
Perdoar ainda é uma estrada longa. Mas chegarei ao termo desse périplo. Com arrependimento, com mágoa, com tristeza. Mas com a sensatez e a humanidade daqueles que me rodeiam e, imperceptivelmente, me guardam na noite escura deste período da minha vida.
(e sim, isto é confessionalzinho e diarístico, mas... tinha que ser.)
21/11/2010
No baú IV - Pablito, Pablito, que recordações me trazes? (29/10/2007)
EL GRAN OCÉANO
SI de tus dones y de tus destrucciones, Océano
a mis manos
pudiera destinar una medida, una fruta, un fermento,
escogería tu reposo distante, las líneas de tu acero,
tu extensión vigilada por el aire y la noche,
y la energía de tu idioma blanco
que destroza y derriba sus columnas
en su propia pureza demolida.
No es la última ola con su salado peso
la que tritura costas y produce
la paz de arena que rodea el mundo:
es el central volumen de la fuerza,
la potencia extendida de las aguas,
la inmóvil soledad llena de vidas.
Tiempo, tal vez, o copa acumulada
de todo movimiento, unidad pura
que no selló la muerte, verde víscera
de la totalidad abrasadora.
Del brazo sumergido que levanta una gota
no queda sino un beso de la sal. De los
cuerpos
del hombre en tus orillas una húmeda
fragancia
de flor mojada permanece. Tu energía
parece resbalar sin ser gastada,
parece regresar a su reposo.
La ola que desprendes,
arco de identidad, pluma estrellada,
cuando se despeñó fue sólo espuma,
y regresó a nacer sin consumirse.
Toda tu fuerza vuelve a ser origen.
Sólo entregas despojos triturados,
cáscaras que apartó tu cargamento,
lo que expulsó la acción de tu abundancia,
todo lo que dejó de ser racimo.
Tu estatua está extendida más allá de las olas.
Viviente y ordenada como el pecho y el manto
de un solo ser y sus respiraciones,
en la materia de la luz izadas,
llanuras levantadas por las olas,
forman la piel desnuda del planeta.
Llenas tu propio ser con tu substancia.
Colmas la curvatura del silencio.
Con tu sal y tu miel tiembla la copa,
la cavidad universal del agua,
y nada falta en ti como en el cráter
desollado, en el vaso cerril:
cumbres vacías, cicatrices, señales
que vigilan el aire mutilado.
Tus pétalos palpitan contra el mundo,
tiemblan tus cereales submarinos,
las suaves ovas cuelgan su amenaza,
navegan y pululan las escuelas,
y sólo sube al hilo de las redes
el relámpago muerto de la escama,
un milímetro herido en la distancia
de tus totalidades cristalinas.
Pablo Neruda
20/11/2010
No baú III - Sophia, Itália e uma enxurrada de memórias
Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.
Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.
Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.
Sophia de Mello Breyner Andresen
No baú II
The beep beep song, por Simone White
Beep beep beep beep beep beep beep
go the horns in the cars in the street
we walked away from the lover's leap
opposite directions
synchronised feet
wait wait wait wait wait wait wait
for the time it takes a heart to mend a break
how many moons are reflected in the lake
can you wait forever if time is all it takes
despite all the warnings
I landed like
a fallen star
in your arms
beat beat beat beat beat beat beat
goes my heart on the side of my sleeve
whispering something I can hardly believe
"let me take the lead
cos love is all we need
Beep beep beep beep beep beep beep
go the horns in the cars in the street
we walked away from the lover's leap
opposite directions
synchronised feet
wait wait wait wait wait wait wait
for the time it takes a heart to mend a break
how many moons are reflected in the lake
can you wait forever if time is all it takes
despite all the warnings
I landed like
a fallen star
in your arms
beat beat beat beat beat beat beat
goes my heart on the side of my sleeve
whispering something I can hardly believe
"let me take the lead
cos love is all we need
Crónicas de Tempos e Rios
(parece que uma memória se apresta a visitar-me. e fui à procura. encontrei algo. fraco de qualidade literária, mas cândido, meigo, de uma doçura que já não descubro cá dentro. leio isto e sorrio, três anos depois)
Crónicas de Tempos e Rios, parte I
Algures no sul de um continente esquecido, nasce um rio. É um rio modesto, pequeno. Não troveja como o Amazonas ou o Mississipi, não é imperial como o Nilo ou o Tibre, não é sagrado como o Ganges ou o Rio das Pérolas, nem brilha como o Sena ou o Tejo. O mundo é feito, muitas vezes, de coisas pequenas, que dão mais sentido à vida que as grandes coisas, os tesouros de valor incalculável, os livros de beleza impossível.
É modesto, não gosta de atrair atenções; contorna rochas com discrição e raramente reclama. Não é um rio de cascatas. Corre com firmeza, mas é dócil e simples.
Ele não gosta que o descubramos. Prefere ficar num recanto tranquilo da tua e da minha infância, quando todos os rios eram rios-de-lenda e todos os desertos eram desertos-de-maravilha. Mas os rios-de-lenda são demasiado concorridos; já se lhes descobriram os segredos todos. E os desertos só são maravilhosos até nos explicarem que aquela imensidão é só um monte de grãos de areia que preferiu não se mexer. E todos os rios escondem segredos, não é preciso ser rio-de-lenda. Este, em particular, esconde o segredo da sua própria existência, que constitui o fundamento de muitos outros segredos.
É que ele é o único rio filho de um deserto, filho da história de amor ocorrida entre a Vida e um deserto, único entre todos os cursos de água. Brota de uma planície arenosa, sem história e sem memória (já entenderás porque não tem história (que precisa do Tempo) e memória (que raramente por ali passa). Quem testemunha o seu nascimento não fica particularmente impressionado. É um nascimento sem inquietude. Talvez a forma como nascemos determine, em parte, o nosso ser. Rios que nascem impetuosos, do alto de um cume montanhoso, tornam-se torrentes aventurosas; outros, mais lânguidos, revelam a sua calmaria nas paragens que escolhem para espraiar as suas águas.
Ele nasce de um deserto, e não conhece outro, não sabe que os desertos têm limites e podem ser atravessados. Porque nasce, corre e desagua no mesmo solo arenoso; na verdade, posso dizer-te que é o único rio, no mundo inteiro, que não conhece o mar. Há rios que nunca chegam a vê-lo, mas conhecem-no, porque falam com rios maiores e mais viajados. Que é azul e imenso; que domina a vontade dos homens sem que eles se apercebem, porque não podem erguer-lhe barreiras. Todos os rios suspiram por esse poder; nenhum deles gosta de sufocar nas barragens que os homens erguem, para sua glória e supremacia sobre a natureza.
Mas o nosso rio preocupa-se pouco com Oceanos, com o poder e a glória que tantos procuram; ele nasce, corre e desagua na areia, onde as ilusões e o brilho do ouro têm menos valor que a paciência. Avistou, certa vez, um homem; mas este, exausto pela travessia do deserto, sedento, caíu morto nas suas margens, antes de poder explicar ao rio todas as coisas que o deserto esconde. E o rio chorou, porque nunca havia visto a morte tão de perto. Os rios choram, às vezes. Quando um lago morre, ou quando uma árvore é levada pelo deserto. O som de um rio a chorar é morno, como uma guitarra a suspirar de saudades; mas um rio é e não é, porque corre e nunca pára. Portanto, o seu choro desvanece-se com facilidade, e só resta a corrente.
Se lhe perguntasses: “ficas triste, por morrer no deserto, sem ver o mar ou os homens, com os seus palácios, os seus amores, as suas delicadezas efémeras”?, ele responder-te-ia “não sei; eu corro e desmaio no deserto; sou um rio, não te esqueças, e os rios não não mudam de ideias”. Mas ele é menos simples do que aparenta. Tem histórias para contar. Porque a sua vida se estica dentro do deserto, a areia é o seu universo. A sua Via Láctea. E, assim, as coisas que não podem ser vistas, que só os poetas e os músicos podem imaginar, vogam por ali, no limiar do deserto, à procura de repouso. Se este rio, este curso de água modesto pudesse correr nos ouvidos de um escritor, encher-se-iam dilúvios de páginas com lendas que o continente esquecido engoliu, para aclarar a mente dos homens. Não podemos viver rodeados de lendas, se queremos fazer leis. Os deuses viveram connosco, até querermos medir a electricidade dos seus poderes e a omnipotência da sua vontade. E foi nesse momento, no instante em que quisémos medir e legislar, que os deuses se desfizeram: transformaram-se em nuvens e flores, na ideia de beleza e na ideia de liberdade, no desejo de sonhar e de fazer amor. Sim, os deuses ainda velam por nós, apesar de já não lhes chamamos deuses, para não enlouquecermos. Mas há outras coisas. O mundo não é feito apenas de divindades. E o rio sabe-o. Já deve ter pensado que, ao sabê-lo, condena-se a morrer no deserto. Mas, se o deserto é um universo, o rio tem, perante ele, a mesma sensação de grandeza que tu e eu temos, ao escutar o céu estrelado. Não sabias que podes escutar o céu, aposto. Mas essa é outra história, a contar num outro deserto, talvez noutra vida…
Quando penso no rio, acredito que ele está destinado a morrer só, para que os segredos da sua corrente, da sua água, não entrem no Oceano e penetrem o Universo. Já não conseguimos acreditar em magia; é melhor para nós, se desejamos riqueza com tanto ardor.
O rio sabe que o Tempo e a Memória também precisam de descanso. Todos os átomos do universo têm tempo e memória. Mas, algures no ponto que contém todos os outros pontos do universo – e que melhor ponto será esse, se não um rio que nasce, corre e desagua onde nada consegue viver? -, todas as recordações de todos os homens de todos os tempos se unem e formam uma mulher. E isso só é possível porque, também nesse ponto, nesse ponto que nem o sonho de um geómetra poderia localizar, todos os tempos e todas as mudanças da existência se unem e transformam num homem. Dir-te-ia que é demasiado típico, demasiado óbvio, demasiado cliché… Mas as histórias de encantar também precisam de ser familiares, de soar como uma melodia antiga, que já ouvimos, algures.
Tempo e Memória existem um pelo outro e um para o outro. Memória não existiria sem Tempo; Tempo não faria sentido sem Memória. Gémeos (embora não siameses), falam em silêncio, cada um na sua margem do rio. Trocam olhares cúmplices, porque só eles reconhecem a sua presença; e sabem, porque nem eles podem vergar o universo à sua vontade (mesmo quando é um deserto arenoso e vazio), que têm de estar separados.
Quando trocam olhares, o Mundo mantém o seu sentido ancestral: os seres humanos apaixonam-se e desaparecem, as florestas ouvem, em segredo, o riso dos rios que procuram o Oceano, as árvores levam a esperança aos caçadores do princípio da Realidade.
Eles sabem, o rio sabe, que, se algum deles cedesse ao desejo de atravessar o fio de água – porque têm uma paixão secreta -, Memória enlouqueceria e Tempo desapareceria.
O rio corre sem pressas, com velocidade suficiente para não desfalecer. Tempo e Memória semicerram o olhar, tentando imaginar outra terra e outro rio. Porque eles, que nos protegem da loucura e do esquecimento, são tão poderosos que nos parecem fracos. Tempo é, dizemos nós, uma invenção humana para nos enjaular. E ele diz, com uma voz sem pressa e sem vagar, algures fora do curso da História: “os humanos dizem inventar aquilo que não podem controlar; assim, iludem-se com a possibilidade de me controlar. Inventam relógios e julgam trancar-me dentro dos ponteiros.”. Memória, que está inscrita nos livros do Destino e, portanto, é feita de letras, notas musicais e cores desvanecidas, assente, com a sabedoria de quem compreende ser impossível prever o futuro a partir de si mesma. Quando Tempo se levanta, rumo ao deserto, Memória sente os joelhos enfraquecer.
E Tempo chora. Chora pelo rio que tornará a morrer, um sem-número de vezes, até poder voltar a acariciar-lhe a água. Chora porque acumulará todas as tristezas e todas as alegrias que o Mundo produz. Chora porque vê Memória a fraquejar; sabe que ela precisa de uma força que perde, quanto mais distante ele estiver. Caem-lhe lágrimas porque é, realmente, uma invenção dos Homens, e precisa de viver na sua ilusão; e sabe que Memória é mais frágil.
Memória não consegue chorar como Tempo. Olha o rio e repara no seu reflexo; mas vê todos os reflexos que já vira e compreende que mudou de forma, mas é um retalho de todas as recordações já sucedidas e, por isso, a sua beleza é a de nunca ser fiel. Memória tenta chorar, para que Tempo regresse, mas ele não o fará. Ela fica só, à beira do rio. Talvez essa solidão, Memória sem Tempo, sejam as lágrimas de Memória, na saudade do Tempo. Ela sabe que, quando ele regressar, já nada restará, tudo será docemente enevoado. Porque o romance do Tempo e da Memória é um conto encantado que nunca termina; é uma fábula que te ofereço, na noite em que um rio abensonhado retorna ao local onde nasce, na noite em que Tempo e Memória, por dois segundos apenas, enganam o Mundo e trocam um olhar eterno. E é nesse olhar que ficam, porque o Tempo também precisa da eternidade para sonhar. Que o amor toca a todos, mesmo que a distância seja um rio, um mar ou apenas a tristeza de partir. Tempo e Memória, em permanente dança, pontos minúsculos na beira-rio de um continente esquecido, olham para aquilo que tentam esquecer.
O rio corre, modesto e gentil. “Se eles, lá longe, soubessem”, ri-se para dentro. “Se eles, lá longe, soubessem que Tempo e Memória não podem ver-se separados, mas vivem em permanente separação…”, continua, “talvez as canções de amor fossem menos magoadas; talvez todos fossem menos saudosos e trágicos, que a paixão dos homens dura pouco, menos ainda que a vida de um rio no deserto”, a voz dele adquire vivacidade, a velocidade da sua corrente aumenta, “e todas as guerras e distâncias e tristezas, todas as saudades e palavras duras e lágrimas, todos os sonhos e coisas impossíveis e tesouros doridos, talvez todas essas coisas desaparecessem, como névoa num dia em que duas pessoas se separam, cientes de que nunca mais se verão”. E ele continua a correr, enquanto pensa, com ternura, em Tempo que chora, e Memória que fraqueja e recorda.
18/11/2010
I carry it in my heart
e.e. cummings
i carry your heart with me(i carry it in
my heart)i am never without it(anywhere
i go you go,my dear; and whatever is done
by only me is your doing,my darling)
i fear
no fate(for you are my fate,my sweet)i want
no world(for beautiful you are my world,my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life;which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
i carry your heart(i carry it in my heart)
Por muito que o leia, nunca conseguirei abarcar toda a largura e densidade deste texto. Acho redutor denominá-lo poema. É uma declaração de amor. É um regozijo e um lamento. É tudo o que nós queremos, como seres humanos, e sonhamos e deliramos e desejamos e alvitramos nas nuvens, como se estivesse atrás de uma porta fechada no trinco, à qual podemos aceder, se fizermos um esforço final. E sempre tão distante. Mas transportamos sempre o coração de alguém no nosso coração. E é isso que nos transforma.
Irresistível.
16/11/2010
Talvez
Às vezes, entre os respingos da chuva, ainda a sinto. É uma saudade doce e magoada, chora enquanto desfalece. E sei, mais uma vez, que perdi uma enseada. E todas as coisas perfumadas que eram tuas. E minhas. E nossas. E de toda a gente que estava do lado de fora.
Mas reconheço-me, agora. De olhos enxutos e estranhos. E os espelhos já não me mentem. Estou mais pobre e mais triste. Mas, repito-me, o peso da tristeza é uma pluma delicada que se transformará em doçura. E a saudade murmura, perdida nos meus labirintos. Estou mais triste, mas não mais pobre. Enganei-me. Descobri que devemos enfrentar. E permitir-nos, de vez em quando, dar lições à vida. Todos os professores precisam, ainda que infrequentemente, de uma chamada de atenção. E, por isso, deixo que a saudade murmure com doçura e se afaste. Talvez atravesse o rio Lima. Talvez me esqueça. Talvez nos esqueçamos.
Talvez...
14/11/2010
Si alguna vez
Si alguna vez no hubieses existido,
si el calor de tus muslos no me hubiese
buscado como un látigo preciso
y mis ambigüedades electivas
-los días más oscuros de mí mismo-
no te hubiesen tenido como saldo
de afirmación o excusa,
es posible
que este volver a casa en soledad
y demasiado pronto,
me recordase ahora un poco menos
al joven que apostaba por el mundo,
con el mundo a su espalda.
Sólo el amor es duro.
Metidos en la noche, regresando
entre la potestad y la mentira,
hablamos del poder o de los sueños
al hablar del abrazo.
Y no lo sé tal vez, no sé si me recuerdo
prisionero de un cuerpo o libre junto a él,
buscando salvación o en servidumbre,
miserable y maldito, pero atónito.
Quizás sólo se trata de que no estás aquí,
de que perder es duro para todos
y el amor me hace falta, como sabes.
Quizás contigo estuve
tan demasiado cerca de tu reino,
que necesito ahora desmentirte,
utilizar los trucos que uno tiene
para poder seguir.
Porque somos así seguramente,
huellas equivocadas,
solitarias hogueras de un camino,
paraísos de cuatro habitaciones
que sólo se comprenden
después de haber firmado muchas veces,
precisamente ahí,
donde pone El viajero.
Y a mí, ya que prefiero escoger mis derrotas,
quiero que me recuerdes derrotado,
como quien algo espera
más allá de los tiempos y los hechos.
Quizás porque haga falta haberlo presagiado
o porque, en todo caso, nadie sabe
dónde acaban los sueños.
Luis Garcia Montero
Seria mais fácil? Mais difícil? Os olhos dropejam, em busca da escuridão. Enquanto apago as pistas. E reconstruo mais aquele momento sem ti. E o outro, onde nada faria sentido sem a tua presença, surge-me, na mente, repentinamente mais pobre. Não sei porquê.
Talvez que éramos mais ricos quandos nos olhávamos e víamos mundos só nossos. Ninguém sabe onde acabam os sonhos; sabíamos nós onde começavam os nossos.
Também prefiro que me recordes como derrotado. Escalei uma parede de gelo e fracassei. Estamos mais pobres. E este é um mundo onde a nossa pobreza é triste.
10/11/2010
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia
Nunca, como agora, percebo isto: Porque os outros são os túmulos caiados/ Onde germina calada a podridão.
E continuo a achar que o peso da culpa é maior que o peso da tristeza, porque é, naqueles que o carregam, "Onde germina calada a podridão".
09/11/2010
Respirar fundo
Porque, apesar da traição, ainda estou vivo. Ainda estou aqui. No centro da tempestade, mas aqui. Apesar de tanto pontapé nas vísceras, ainda as sinto.
E o mundo é enorme. Os sapos ainda nascem. O sol ainda decresce, ao entardecer. Apesar da dívida pública e da descoberta, em Portugal, de que há um país chamado China, estamos vivos. E, um dia, longínquo, serei capaz de olhar para este agora obscuro e rir-me, ainda que tristemente.
Respiro fundo.
A one and a two...
07/11/2010
Oiço isto e ainda me arrepio. Enquanto isso acontecer, sei que não podemos desanimar. Apesar dos filhos da puta desta vida. E das outras. E de todos os males e bens que nos desejam como morte certa.
Ainda aqui estamos. Só isso é certo. E, um dia, um dia rarefeito e nervoso, mas esperançado, "havemos de ser mais, que eu bem sei". Obrigado ou não, virei para a rua gritar. Sem jargões, graus ou domínios.
Venham Mais Cinco, por Zeca Afonso
Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já
Do branco ou tinto, se o velho estica eu fico por cá
Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-lhe a andar
De espada cinta, já crê que rei aquém de além-mar
No me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa
E zarpar
A gente ajuda, havemos de ser mais eu bem sei
Mas há quem queira, deitar abaixo o que eu levantei
A bucha dura, mais dura a razão que a sustém
só nesta rusga não há lugar prós filhos da mãe
No me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que já tempo d' embalar a trouxa
E zarpar
Bem me diziam, bem me avisavam como era a lei
Na minha terra, quem trepa no coqueiro o rei
A bucha dura, mais dura a razão que a sustém
só nesta rusga não há lugar prós filhos da mãe
No me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que já tempo d' embalar a trouxa
E zarpar
04/11/2010
Regresso a casa: Getting connected
Algures em Kreuzberg.
E eu à espera de regressar a casa. Depois de ter sido ignorado pela enésima vez por razões desconhecidas, creio ser a altura. E esquecer a lua. E a humidade das noites. E os suspiros de contentamento.
Tudo porque, para alguns seres humanos, é fácil delinear as ausências. Traçar uma fronteira e respeitá-la, esquecendo-a.
Preciso de uma Paulaner. Ou de uma Franziskaner. Ou de um esquecimento maciço que me tombe na compreensão da artificialidade. É que os pontos de exclamação e o tom plastificado sabem a agulhas e veneno; não os entendo, não posso entendê-los. Se o fizer, descobrirei fantasmas e terei raiva.
03/11/2010
Contra a memória trapaceira
Pergunta dolorosa do dia:
Devemos continuar a bater às portas que nos fecharam com estrondo, até que os nós dos dedos sangrem e as cordas vocais estalem?
As mentes ditas sãs dizem que não. O poder da inércia e do esquecimento, já para não falar da utilidade calculada, é tenaz.
Talvez eu e mais uns quantos não sejamos sãos. E desejemos sangrar. E que o nosso sangue seja adubo e o estalo das cordas vocais faísca.
Mais uma vez. Truz. Até já não saber por que razão tento. Até já não saberes por quem ou porque lutas. E estrebuchas. E tremeluzes.
Bom. Que outros acordes, menos divagados, me chamam. E mais uma odisseia de lados obscuros me recolhe.
Até logo.
Os génios andam aí.
Porque aquilo que os mercados querem, desejam, anseiam, é putas e vinho verde.
Sempre o soube.
02/11/2010
Que a tempestade não me ache só
Salas cortantes de corredores frios e inexpugnáveis. Penso que estou trancado num conto de Allan Poe. E que nem a chegada de uma chave secreta (vem demasiado tarde - é que nem todas as chaves abrem portas de pedra) porá fim a um caminho que adivinho longo.
Mas, pela primeira vez, não será só. Noto ventos diversos, desta feita. Que me empurram, feitos alísios ou mistrais (confesso, só lhes bebo o nome, não reconheço especificidades técnicas), rumo a um destino.
Ainda que busque esse Sang Réal, e me iluda com a sua existência (é de tanto pontapé na pinha, acabamos por alucinar), espero ficar saciado em breve. E conformar-me com uma evidência: a de que o carinho nada pode contra a inércia e o desprezo. Um terço da vida até percebermos isto não é assim tanto, pensando bem.... recordando Thoreau.
01/11/2010
Amanhã
À espera da reconexão-religação-renegociação-redisposição.
Amanhã, nova visita à sala de espera onde nem Borges encontraria bestas encantadas.
Tremeluz, ao fundo do túnel. E gentes novas, que também tremeluzem, embora se deixem seduzir por outros destinos. Eis que me recentro e desconcentro, para não ser demasiado convergente (e que me perdoes, se fazes favor - é que temos uma vida a viver, e o lastro é letal).
Porque há quem divague muito, mas mesmo muito melhor que eu.
George Orwell
Some Thoughts on the Common Toad
"Before the swallow, before the daffodil, and not much later than the snowdrop, the common toad salutes the coming of spring after his own fashion, which is to emerge from a hole in the ground, where he has lain buried since the previous autumn, and crawl as rapidly as possible towards the nearest suitable patch of water. Something — some kind of shudder in the earth, or perhaps merely a rise of a few degrees in the temperature — has told him that it is time to wake up: though a few toads appear to sleep the clock round and miss out a year from time to time — at any rate, I have more than once dug them up, alive and apparently well, in the middle of the summer.
At this period, after his long fast, the toad has a very spiritual look, like a strict Anglo-Catholic towards the end of Lent. His movements are languid but purposeful, his body is shrunken, and by contrast his eyes look abnormally large. This allows one to notice, what one might not at another time, that a toad has about the most beautiful eye of any living creature. It is like gold, or more exactly it is like the golden-coloured semi-precious stone which one sometimes sees in signet-rings, and which I think is called a chrysoberyl.
For a few days after getting into the water the toad concentrates on building up his strength by eating small insects. Presently he has swollen to his normal size again, and then he hoes through a phase of intense sexiness. All he knows, at least if he is a male toad, is that he wants to get his arms round something, and if you offer him a stick, or even your finger, he will cling to it with surprising strength and take a long time to discover that it is not a female toad. Frequently one comes upon shapeless masses of ten or twenty toads rolling over and over in the water, one clinging to another without distinction of sex. By degrees, however, they sort themselves out into couples, with the male duly sitting on the female's back. You can now distinguish males from females, because the male is smaller, darker and sits on top, with his arms tightly clasped round the female's neck. After a day or two the spawn is laid in long strings which wind themselves in and out of the reeds and soon become invisible. A few more weeks, and the water is alive with masses of tiny tadpoles which rapidly grow larger, sprout hind-legs, then forelegs, then shed their tails: and finally, about the middle of the summer, the new generation of toads, smaller than one's thumb-nail but perfect in every particular, crawl out of the water to begin the game anew.
I mention the spawning of the toads because it is one of the phenomena of spring which most deeply appeal to me, and because the toad, unlike the skylark and the primrose, has never had much of a boost from poets. But I am aware that many people do not like reptiles or amphibians, and I am not suggesting that in order to enjoy the spring you have to take an interest in toads. There are also the crocus, the missel-thrush, the cuckoo, the blackthorn, etc. The point is that the pleasures of spring are available to everybody, and cost nothing. Even in the most sordid street the coming of spring will register itself by some sign or other, if it is only a brighter blue between the chimney pots or the vivid green of an elder sprouting on a blitzed site. Indeed it is remarkable how Nature goes on existing unofficially, as it were, in the very heart of London. I have seen a kestrel flying over the Deptford gasworks, and I have heard a first-rate performance by a blackbird in the Euston Road. There must be some hundreds of thousands, if not millions, of birds living inside the four-mile radius, and it is rather a pleasing thought that none of them pays a halfpenny of rent.
As for spring, not even the narrow and gloomy streets round the Bank of England are quite able to exclude it. It comes seeping in everywhere, like one of those new poison gases which pass through all filters. The spring is commonly referred to as ‘a miracle’, and during the past five or six years this worn-out figure of speech has taken on a new lease of life. After the sorts of winters we have had to endure recently, the spring does seem miraculous, because it has become gradually harder and harder to believe that it is actually going to happen. Every February since 1940 I have found myself thinking that this time winter is going to be permanent. But Persephone, like the toads, always rises from the dead at about the same moment. Suddenly, towards the end of March, the miracle happens and the decaying slum in which I live is transfigured. Down in the square the sooty privets have turned bright green, the leaves are thickening on the chestnut trees, the daffodils are out, the wallflowers are budding, the policeman's tunic looks positively a pleasant shade of blue, the fishmonger greets his customers with a smile, and even the sparrows are quite a different colour, having felt the balminess of the air and nerved themselves to take a bath, their first since last September.
Is it wicked to take a pleasure in spring and other seasonal changes? To put it more precisely, is it politically reprehensible, while we are all groaning, or at any rate ought to be groaning, under the shackles of the capitalist system, to point out that life is frequently more worth living because of a blackbird's song, a yellow elm tree in October, or some other natural phenomenon which does not cost money and does not have what the editors of left-wing newspapers call a class angle? There is not doubt that many people think so. I know by experience that a favourable reference to ‘Nature’ in one of my articles is liable to bring me abusive letters, and though the key-word in these letters is usually ‘sentimental’, two ideas seem to be mixed up in them. One is that any pleasure in the actual process of life encourages a sort of political quietism. People, so the thought runs, ought to be discontented, and it is our job to multiply our wants and not simply to increase our enjoyment of the things we have already. The other idea is that this is the age of machines and that to dislike the machine, or even to want to limit its domination, is backward-looking, reactionary and slightly ridiculous. This is often backed up by the statement that a love of Nature is a foible of urbanized people who have no notion what Nature is really like. Those who really have to deal with the soil, so it is argued, do not love the soil, and do not take the faintest interest in birds or flowers, except from a strictly utilitarian point of view. To love the country one must live in the town, merely taking an occasional week-end ramble at the warmer times of year.
This last idea is demonstrably false. Medieval literature, for instance, including the popular ballads, is full of an almost Georgian enthusiasm for Nature, and the art of agricultural peoples such as the Chinese and Japanese centre always round trees, birds, flowers, rivers, mountains. The other idea seems to me to be wrong in a subtler way. Certainly we ought to be discontented, we ought not simply to find out ways of making the best of a bad job, and yet if we kill all pleasure in the actual process of life, what sort of future are we preparing for ourselves? If a man cannot enjoy the return of spring, why should he be happy in a labour-saving Utopia? What will he do with the leisure that the machine will give him? I have always suspected that if our economic and political problems are ever really solved, life will become simpler instead of more complex, and that the sort of pleasure one gets from finding the first primrose will loom larger than the sort of pleasure one gets from eating an ice to the tune of a Wurlitzer. I think that by retaining one's childhood love of such things as trees, fishes, butterflies and — to return to my first instance — toads, one makes a peaceful and decent future a little more probable, and that by preaching the doctrine that nothing is to be admired except steel and concrete, one merely makes it a little surer that human beings will have no outlet for their surplus energy except in hatred and leader worship.
At any rate, spring is here, even in London N. 1, and they can't stop you enjoying it. This is a satisfying reflection. How many a time have I stood watching the toads mating, or a pair of hares having a boxing match in the young corn, and thought of all the important persons who would stop me enjoying this if they could. But luckily they can't. So long as you are not actually ill, hungry, frightened or immured in a prison or a holiday camp, spring is still spring. The atom bombs are piling up in the factories, the police are prowling through the cities, the lies are streaming from the loudspeakers, but the earth is still going round the sun, and neither the dictators nor the bureaucrats, deeply as they disapprove of the process, are able to prevent it.
1946
THE END"
Para a posteridade e para me fazer sorrir. Por muito que nos acicatem, a primavera ainda nascerá quando já nada restar de nós. E isso é magnífico.
Some Thoughts on the Common Toad
"Before the swallow, before the daffodil, and not much later than the snowdrop, the common toad salutes the coming of spring after his own fashion, which is to emerge from a hole in the ground, where he has lain buried since the previous autumn, and crawl as rapidly as possible towards the nearest suitable patch of water. Something — some kind of shudder in the earth, or perhaps merely a rise of a few degrees in the temperature — has told him that it is time to wake up: though a few toads appear to sleep the clock round and miss out a year from time to time — at any rate, I have more than once dug them up, alive and apparently well, in the middle of the summer.
At this period, after his long fast, the toad has a very spiritual look, like a strict Anglo-Catholic towards the end of Lent. His movements are languid but purposeful, his body is shrunken, and by contrast his eyes look abnormally large. This allows one to notice, what one might not at another time, that a toad has about the most beautiful eye of any living creature. It is like gold, or more exactly it is like the golden-coloured semi-precious stone which one sometimes sees in signet-rings, and which I think is called a chrysoberyl.
For a few days after getting into the water the toad concentrates on building up his strength by eating small insects. Presently he has swollen to his normal size again, and then he hoes through a phase of intense sexiness. All he knows, at least if he is a male toad, is that he wants to get his arms round something, and if you offer him a stick, or even your finger, he will cling to it with surprising strength and take a long time to discover that it is not a female toad. Frequently one comes upon shapeless masses of ten or twenty toads rolling over and over in the water, one clinging to another without distinction of sex. By degrees, however, they sort themselves out into couples, with the male duly sitting on the female's back. You can now distinguish males from females, because the male is smaller, darker and sits on top, with his arms tightly clasped round the female's neck. After a day or two the spawn is laid in long strings which wind themselves in and out of the reeds and soon become invisible. A few more weeks, and the water is alive with masses of tiny tadpoles which rapidly grow larger, sprout hind-legs, then forelegs, then shed their tails: and finally, about the middle of the summer, the new generation of toads, smaller than one's thumb-nail but perfect in every particular, crawl out of the water to begin the game anew.
I mention the spawning of the toads because it is one of the phenomena of spring which most deeply appeal to me, and because the toad, unlike the skylark and the primrose, has never had much of a boost from poets. But I am aware that many people do not like reptiles or amphibians, and I am not suggesting that in order to enjoy the spring you have to take an interest in toads. There are also the crocus, the missel-thrush, the cuckoo, the blackthorn, etc. The point is that the pleasures of spring are available to everybody, and cost nothing. Even in the most sordid street the coming of spring will register itself by some sign or other, if it is only a brighter blue between the chimney pots or the vivid green of an elder sprouting on a blitzed site. Indeed it is remarkable how Nature goes on existing unofficially, as it were, in the very heart of London. I have seen a kestrel flying over the Deptford gasworks, and I have heard a first-rate performance by a blackbird in the Euston Road. There must be some hundreds of thousands, if not millions, of birds living inside the four-mile radius, and it is rather a pleasing thought that none of them pays a halfpenny of rent.
As for spring, not even the narrow and gloomy streets round the Bank of England are quite able to exclude it. It comes seeping in everywhere, like one of those new poison gases which pass through all filters. The spring is commonly referred to as ‘a miracle’, and during the past five or six years this worn-out figure of speech has taken on a new lease of life. After the sorts of winters we have had to endure recently, the spring does seem miraculous, because it has become gradually harder and harder to believe that it is actually going to happen. Every February since 1940 I have found myself thinking that this time winter is going to be permanent. But Persephone, like the toads, always rises from the dead at about the same moment. Suddenly, towards the end of March, the miracle happens and the decaying slum in which I live is transfigured. Down in the square the sooty privets have turned bright green, the leaves are thickening on the chestnut trees, the daffodils are out, the wallflowers are budding, the policeman's tunic looks positively a pleasant shade of blue, the fishmonger greets his customers with a smile, and even the sparrows are quite a different colour, having felt the balminess of the air and nerved themselves to take a bath, their first since last September.
Is it wicked to take a pleasure in spring and other seasonal changes? To put it more precisely, is it politically reprehensible, while we are all groaning, or at any rate ought to be groaning, under the shackles of the capitalist system, to point out that life is frequently more worth living because of a blackbird's song, a yellow elm tree in October, or some other natural phenomenon which does not cost money and does not have what the editors of left-wing newspapers call a class angle? There is not doubt that many people think so. I know by experience that a favourable reference to ‘Nature’ in one of my articles is liable to bring me abusive letters, and though the key-word in these letters is usually ‘sentimental’, two ideas seem to be mixed up in them. One is that any pleasure in the actual process of life encourages a sort of political quietism. People, so the thought runs, ought to be discontented, and it is our job to multiply our wants and not simply to increase our enjoyment of the things we have already. The other idea is that this is the age of machines and that to dislike the machine, or even to want to limit its domination, is backward-looking, reactionary and slightly ridiculous. This is often backed up by the statement that a love of Nature is a foible of urbanized people who have no notion what Nature is really like. Those who really have to deal with the soil, so it is argued, do not love the soil, and do not take the faintest interest in birds or flowers, except from a strictly utilitarian point of view. To love the country one must live in the town, merely taking an occasional week-end ramble at the warmer times of year.
This last idea is demonstrably false. Medieval literature, for instance, including the popular ballads, is full of an almost Georgian enthusiasm for Nature, and the art of agricultural peoples such as the Chinese and Japanese centre always round trees, birds, flowers, rivers, mountains. The other idea seems to me to be wrong in a subtler way. Certainly we ought to be discontented, we ought not simply to find out ways of making the best of a bad job, and yet if we kill all pleasure in the actual process of life, what sort of future are we preparing for ourselves? If a man cannot enjoy the return of spring, why should he be happy in a labour-saving Utopia? What will he do with the leisure that the machine will give him? I have always suspected that if our economic and political problems are ever really solved, life will become simpler instead of more complex, and that the sort of pleasure one gets from finding the first primrose will loom larger than the sort of pleasure one gets from eating an ice to the tune of a Wurlitzer. I think that by retaining one's childhood love of such things as trees, fishes, butterflies and — to return to my first instance — toads, one makes a peaceful and decent future a little more probable, and that by preaching the doctrine that nothing is to be admired except steel and concrete, one merely makes it a little surer that human beings will have no outlet for their surplus energy except in hatred and leader worship.
At any rate, spring is here, even in London N. 1, and they can't stop you enjoying it. This is a satisfying reflection. How many a time have I stood watching the toads mating, or a pair of hares having a boxing match in the young corn, and thought of all the important persons who would stop me enjoying this if they could. But luckily they can't. So long as you are not actually ill, hungry, frightened or immured in a prison or a holiday camp, spring is still spring. The atom bombs are piling up in the factories, the police are prowling through the cities, the lies are streaming from the loudspeakers, but the earth is still going round the sun, and neither the dictators nor the bureaucrats, deeply as they disapprove of the process, are able to prevent it.
1946
THE END"
Para a posteridade e para me fazer sorrir. Por muito que nos acicatem, a primavera ainda nascerá quando já nada restar de nós. E isso é magnífico.
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